Os meus falhanços

Todas as pessoas falam do seu sucesso, mas ninguém fala abertamente dos falhanços. O sucesso é o que nos motiva, mas é com os falhanços que aprendemos e chegamos mais perto do sucesso. Nem devíamos falar em falhanços, mas sim aprendizagens.

Se queres saber quais foram os meus falhanços e como os ultrapassei continua a ler este artigo ou vê o vídeo abaixo.

Dislexia

Quando era criança tinha problemas de aprendizagem. Nas aulas não conseguia acompanhar os meus colegas e ficava muitas vezes a apanhar do ar. Precisava de aulas de apoio e fui informalmente diagnosticada com dislexia. Detestava ler e ler na Holanda é muito importante. Na escola tínhamos de ler vários livros por semana e para mim era uma tortura. Lia sempre só o início e o fim, na esperança que ninguém descobrisse.

Os professores diziam que estava sempre a sonhar acordada. Que tinha de estar mais atenta e concentrada. Mas eu não conseguia. Como nas aulas estava sempre distraida, escondia-me ao máximo para evitar que os professores me fizessem perguntas, porque não ía conseguir responder.

Com isto eu corria o risco de não poder entrar na universidade. Na Holanda o ensino básico, até ao 12º anos está dividido por níveis. Se não estiveres no nível mais alto, não podes ir para a universidade. Felizmente mudei-me para Portugal e aqui já não corria esse risco. Com a mudança para Portugal perdi a dislexia. Parece ser comum quando se aprende outra língua.

Carta de condução

Como a minha escola ficava cerca de 15 minutos de carro da minha casa, e para me dar mais liberdade, aos dezasseis o meu pai obrigou-me a tirar a carta de mota. Assim podia ir para onde quisesse sem estar dependente da boleia dos meus pais. Eu não queria nada andar de mota. Não combinava comigo. Tinha que pôr o capacete que me deixava despenteada, a minha roupa ficava a cheirar a fumo e se chovesse molhava-me. Mas de facto era a única forma de me transportar naquela altura.

Adiei um ano e depois decidi que tinha mesmo de a tirar. Primeiro as aulas de código. Uma seca. Depois das aulas ía à escola de condução e em casa fazia testes para treinar. Depois de 30 aulas finalmente pude fazer o exame teórico. Chumbei. Duas vezes! Eu realmente não fui feita para estudar, pensei eu.

Depois de finalmente ter passado o exame de código, comecei as aulas práticas. As aulas de condução eram mais fáceis, porque já sabia andar de mota. Aprendi aos 13 anos, quando o meu pai comprou uma Casal e andávamos com ela às volta à casa. Mesmo assim consegui chumbar três vezes! Cheguei ao ponto de pensar que era mesmo incapaz, que nunca ia conseguir. E ainda faltava a carta de ligeiros! Que desespero.

Senti-me insegura e inferior. Porque é que as outras pessoas conseguiam e eu não? Estava no último ano da secundária, com dezanove anos finalmente tirei a carta de ligeiros e “só” chumbei duas vezes. Além de me sentir insegura com tudo isto o pior é que os meus pais pagaram tudo. Parece que ainda foi pior por isso.

Não entrei na faculdade

Quando estava no final do 12º ano, precisava de ter boas notas nos exames nacionais. Matemática nunca foi o meu forte, mas achei que se estudasse umas semanas antes, passava. Depois de estudar bastante (claramente não o suficiente), tive quatro em vinte… Tive de ir à segunda fase do exame onde acabei por passar com uma nota razoável.

Não fazia ideia do impacto isto vinha a ter. Quando fazes um exame nacional na segunda fase, já não te podes candidatar à primeira fase para entrar para a universidade. Já só podia concorrer à segunda fase. Mas, no meu caso, nesta fase as médias tinham subido imenso. Então não entrei em lado nenhum. Que falhanço!

Tinha de contar aos meus pais. Sabia que os meus pais se iam passar. E assim foi. Eles disseram-me: “Tu vais entrar na faculdade este ano. Arranja maneira!”. Obrigaram-me a ligar para as universidades para pedir por favor para entrar. Que vergonha! Como era de esperar mandaram-me todos dar uma volta. Lá fui eu dizer aos meus pais que não tinha conseguido. Mais uma vez chateados (agora ainda mais) disseram-me: “Se há uma segunda fase, tem de haver uma terceira!”

Estava mesmo desesperada. Todos os meus amigos já tinham começado as aulas e eu, ainda sem perspectivas! Sentia que estava a desiludir toda a gente e não sabia fazer nada de jeito. Isto tinha de mudar! Decidi procurar no google se havia alguma terceira fase para concorrer ainda esse ano. Encontrei vários sites mas não pareciam oficiais.

Será que existe? Será que é possível? Num dos resultados apareceu uma universidade que indicava ter vagas para a terceira fase. Decidi ligar. Confirmaram-me! Uma luz ao fundo do túnel! Procurei todas as faculdades do país com vagas e fiz uma lista enorme de todos os possíveis cursos. Eram muitos! Acabei por me inscrever em seis cursos diferentes e entrei nos seis.

Demorou mas foi! Parecia que finalmente a minha vida começava a ter estrutura. Tinha a carta de condução. Passei os exames. Estava na faculdade. Tinha saído de casa. Deixei os meus pais orgulhosos e estava feliz.  Levei um grande abanão dos meus pais que me doeu muito, mas funcionou.

Negócio falhado

Na faculdade tinha dinheiro suficiente para me sustentar, mas eu queria mais. Pensei numa maneira de fazer um dinheiro extra. Desde criança que fazia trabalhos manuais e especialmente bijuteria. Tinha encontrado um sítio onde comprava missangas baratas e passava os fins de semana a fazer brincos. Num pequeno cartão imprimia o meu logo, inventado na hora, EllaJóias. Fazia dois furinhos e colocava lá os brincos. Ficava com um ar profissional! Pus uns quantos pares numa caixinha e decidi levar para a faculdade para tentar vender.

Nesse dia, no primeiro intervalo das aulas, tirei a caixa da minha mala e mostrei às minhas colegas. Disse que cada par de brincos era único e custava €2,50. A primeira pessoa tirou um par que disse que queria comprar e passou a caixa a outra pessoa. A próxima pessoa também tirou um par. A caixa ia passando de pessoa a pessoa e chegou a uma altura que já nem via a caixa com tanta gente à volta. Quando a caixa me chegou novamente às mãos estava vazia! Tinha vendido tudo! Ganhei ali uns 50 euros!

O meu custo de produção era mínimo, por isso este valor era praticamente líquido. Decidi logo fazer mais! Estava com algum receio que esta formula só funcionasse uma vez, mas semana atrás de semana, vendia praticamente tudo o que produzia. Cheguei a ganhar €100 por semana com esta brincadeira. Por mês isto dava-me mais 300 a 400 euros.

Tinha transformado um hobby num trabalho que me dava um pequeno salário que para mim valia muito! Gostava mesmo de fazer os brincos e tinha sucesso. Muitas pessoas disseram-me para fazer algo mais profissional porque este negócio tinha muito potencial. Podia vender online, em todo o país, ou até fora de Portugal. E assim fiz.

Cheguei a criar um site e receber encomendas online. Mas comecei a passar mais tempo a tratar da logística, dos pagamentos, envios, embalagens, etc, enquanto que o que queria era fazer a parte criativa e de design. Desmotivei. Acabei por deixar de produzir brincos e deixar de vender. E em vez de tentar arranjar uma solução, desisti. Perdi uma oportunidade de negócio. Havia imensas soluções para o meu problema, mas foi mais fácil desistir. Já tinha criado uma carteira de clientes e perdi por ter desistido.

Crise dos 30

Depois dos falhanços de não ter conseguido entrar na faculdade, de ter chumbado várias vezes na carta de condução e do negócio falhado de EllaJoias, orientei a minha vida e consegui conquistar muitas coisas boas. Uma carreira, um salário alto, muitas viagens, uma casa própria… Tudo isto com muito trabalho, sacrifício e dedicação.

Abdiquei de momentos com amigos e família para fazer carreira. Tudo pelo sucesso. Mas a uma altura cheguei a um ponto que pensei: “o que estou a fazer? O que é que afinal é mais importante?”. Fiquei completamente baralhada pelo facto de ter lutado anos por uma coisa que pensava que queria muito, para depois descobrir que afinal aquilo não me iria fazer feliz. Até porque sucesso e felicidade são coisas diferentes.

Podemos chamar a isto a crise dos 30. Há muitas pessoas que depois de terem conquistado aquilo que mais queriam na vida, apercebem-se que afinal isso não lhes deixa realizados. Foi o que me aconteceu. Depois de uma vida a lutar por um objectivo, tive de mudar de rumo e descobrir o que afinal valorizava e me deixava verdadeiramente realizada.

Não diria que foi tempo perdido, porque todos estes anos aprendi imenso. Mas penso que se soubesse as consequências da carreira que desejava antecipadamente, teria optado por outro caminho e hoje em dia se calhar já teria conquistado mais coisas e estaria mais perto da realização.

Na minha opinião falhanços só são falhanços quando não aprendemos com eles. Falhar é inevitável para quem arrisca e se queres chegar longe, é melhor aceitar o facto que nem tudo vai correr bem à primeira.

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